Falas iniciais de provocação do debate
Sally Burch – Agência Latinoamericana de Informação (Alai) – Equador/Inglaterra
No Brasil, a ditadura concentrou a propriedade das frequências de radiodifusão. Os EUA quase destruíram a UNESCO quando o órgão começou a falar de direito à comunicação. Sem democratização da comunicação não há democracia, mas os governos não querem mudar nada.
Nos anos 90, surgem novas oportunidades para os movimentos alternativos com a chegada da internet. Mas poucos governos de esquerda entenderam a função estratégica da comunicação e deixaram nas mãos da iniciativa privada; a academia também não se interessou. A democratização ficou por conta dos meios alternativos, que não tem força para desenvolver estas propostas.
Agora há um novo ciclo com governos progressistas, que inicialmente não queriam tocar na estrutura dos meios porque poderiam perder eleições. Mas a tendência e a posição dos donos da mídia começaram a aparecer durante a campanha da ALCA. Os meios defendiam modelos ultrapassados e sua credibilidade veio abaixo. Os governos progressitas ganharam as eleições apesar dos meios, como aconteceu com Lula.
A Venezuela fez a Ley de Medios e o Equador também. O tema continua em debate. Há os que defendem a liberdade de imprensa do jeito que está. Já o povo pensa que haverá censura à liberdade de expressão.
Qual o tipo de política pública que precisamos e em que áreas? O Estado não pode ter apenas o papel de regulador. O norte é o direito à comunicação e o cidadão protagônico. Também é preciso se colocar contra oligopólios e monopólios. Todos os meios comunicação são serviços públicos e por isso devem expressar a diversidade. É necessário estabelecer cotas de produção nacional e também independente. E garantir políticas de acesso à comunicação pública e de discriminação positiva para os meios que precisam de mais recursos, como as rádios comunitárias. Por fim, precisamos de educação sobre comunicação nas escolas.
Graça Samo – Marcha Mundial das Mulheres – Moçambique
Muitos não conhecem a África e nem Moçambique. Moçambique é um dos países da África Subsaariana e a África é um continente com mais de 50 países. É uma grande diversidade. Meu país tem 11 províncias e 20 línguas; a oficial é o português. A língua portuguesa é básica para que possamos nos entender.
Nossa revolução para independência foi apoiada pela União Soviética. Conseguimos a independência em 1975 e entramos em guerra civil. Para sair na rua era preciso ter um documento autorizando; para se encontrar com alguém era preciso informar quem era a pessoa que receberia em casa; era um controle absoluto. Tínhamos uma TV e uma rádio públicas e tudo era controlado pelo sistema estatal. Em 1992 terminou a guerra e as primeiras eleições com vários partidos aconteceram em 1994. Os anos 90 marcaram o início da democracia, mas também de uma economia neoliberal, que começou a ditar a ordem da economia e da política.
Em Moçambique, 60% das pessoas falam línguas nativas. As rádios comunitárias são a alternativa para a comunicação nestas localidades, mas são controladas pelo um sistema político. Estamos fazendo força para ter uma Lei de Imprensa e Leis de acesso à informação, mas é muito difícil aprová-las. Os jornais são privados e a fonte de financiamento – o setor privado – controla a informação pelo apoio financeiro via publicidade.
As pessoas não tem senso crítico, compram tudo que a publicidade oferece. A influência da mídia é grande. Por exemplo, muita gente tem sotaque brasileiro porque assiste às novelas. A questão evangélica também está crescendo na TV. Se não é novela brasileira, é igreja; este é o conteúdo que está sendo importado para a gente.
Todo jornalista é “cooptado” pelo Estado. São comprados por benesses como passagens aéreas, o que dá o controle das notícias ao Presidente da República. O povo não entende ainda como funciona a cidadania, e por isso acredita na palavra do Presidente; não há questionamento.
Há muita censura contra os que pensam de modo diferente. Há uma semana uma rádio foi fechada por uma vereadora que não gostava do era dito a seu respeito. Num debate sobre a construção de uma barragem, o Presidente elogiou a obra, dizendo que pertencia ao povo. Um canal de TV propôs a discussão desta afirmação e teve seu sinal cortado sem explicações. Não se pode usar a mídia para desmistificar a imagem do Presidente, é um sentimento muito forte.
Por outro lado, nos meios alternativos de comunicação há um espaço de luta muito grande. Em 2004 e 2005, houve um grande encontro de rádios públicas e sociedade civil. Considerar a comunicação um direito fundamental é uma saída para podermos cobrar e contar com oeEstado.
Denis de Moraes – professor de Comunicação da Universidade Federal Fluminense – Brasil
Escrevi dois livros importantes sobre este tema da comunicação: “Batalha da Mídia na América Latina” e “Vozes Abertas da América Latina: Estado, políticas públicas e democratização da comunicação”. Pode parecer contraditório, mas não é: na América Latina temos a vanguarda do avanço nesta área; no Brasil, a vanguarda do atraso. Venezuela, Bolívia, Equador e Argentina são bons exemplos; Paraguai, Uruguai e Chile tem algumas coisas interessantes.
O que se observa nas novas constituições de Bolívia, Equador e Venezuela é o sentido de remover o lixo autoritário e transformar o Estado em protagônico, nas palavras de Paulo Freire, o que requer outros sistemas de comunicação. A comunicação deve ser considerada um bem comum e, para isso, é necessário construir uma série de marcos para evitar a monopolização de sistemas mediáticos, fomentar e estimular a produção. Promover a integração entre os países no sentido cultural, não mercantil, com cooperação.
A Lei da Argentina fez dois anos e, sem dúvida, é a mais avançada legislação antimonopólica do mundo. Isso foi dito pela UNESCO. E é preciso que a lei não seja só figurativa, mas exerça a fiscalização, fomente de produções e outorgas locais e estimule a comunicação cidadã. A primeira TV pública do Equador vem sendo premiada internacionalmente.
É preciso pensar em leis de meios que privilegiam editais para fomentar estes caminhos democráticos. A Lei de Serviços Audiovisuais da Argentina prevê que se promova periodicamente produções para espectro comunitário.Faltou dinheiro. A sociedade então se organizou, protestou, mobilizou o Parlamento e governo voltou atrás e refez os editais para financiar os meios comunitários. Nesse momento, o governo da Argentina está criando pólos de produção áudiovisual com financiamento público e com órgão fiscalizador.
O BNDES, na Venezuela, financiou 30 emissoras a fundo perdido pela PDVSA. Participei de uma reunião aberta para discutir a pauta da programação na TV venezuelana. Tudo o que seria veiculado foi decidido pelo povo. Acredito que é só ter vontade política para que isso aconteça. Isso foi na Venezuela, aquela que a mídia demoniza regularmente. No Chile, o governo de Michelle Bachelet criou editais de conteúdos para televisões comunitárias e regionais e proibiu a participação de grandes grupos mediáticos.
Os latinfúndios mediáticos, no entanto, resistirão tenazmente a todos os desejos de democratização. A mídia é muito articulada e coesa, uma mesma matéria vem de vários lados. Hoje, no Brasil, a grande mídia está fiel à corrente latinoamericana contra governos progressistas. É preciso de respaldo popular nesta luta. Na Argentina, a sociedade apoia.
No Brasil, não devemos remendar esta porcaria de regulação e sim construir um novo marco. Não podemos ser “polianas” porque é um processo de luta ideológica, de classes, muito embora o apoio popular seja fundamental para fortalecer o esforços de comunicação. Neste momento é preciso seguir os ensinamentos de Lenin: análise concreta da situação concreta.
Nunca imaginei que o Ministro das Comunicações Paulo Bernardo pudesse ser pior que o anterior, Hélio Costa. Mas ele chegou ao absurdo de elogiar uma remessa de bilhões de lucro das empresas de telecomunicações para o exterior, porque tinha aumentado o percentual de imposto, sendo que apenas R$ 5 milhões ficaram no país. Da mesma forma, a primeira atitude que teve quando saiu a minuta do novo Código de Telecomunicações foi enviar para a Abert, o clube seleto do patronato das redes de televisão, ao invés de enviar para a sociedade civil.
Debate no plenário
João Brant – Intervozes – Brasil
Há um bom acúmulo sobre essas lutas, agora precisamos fazer a afirmação do direito à comunicação. O desafio de concentrar na internet para fomentar determinadas atividades, pensar nos Pontos de Cultura, em políticas de fomento ao jornalismo investigativo que não dependam dos grandes conglomerados, etc.
Alcione – Ministério da Cultura – Brasil
Defender políticas públicas de educação para o uso da mídia em redes públicas.
Renata Mielle – Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé
A participação de companheiros de outros países mostra que os problemas são mundiais. No Brasil, quando falamos de políticas públicas, devemos pensar nos Pontos de Mídia Livre, na melhor distribuição das verbas publicitárias, em mecanismos para desenvolver a mídia alternativa, e conhecer as experiências em outros países.
Rosane Bertotti – Central Única dos Trabalhadores (CUT) – Brasil
A política precisa ser enraizada, precisa também ser local, vivenciada pela sociedade.
Paulo Lima – Viração Educomunicação – Brasil
Quando uma criança escreve no Facebook este é um ato político. Estamos tentando há 10 anos sobreviver com a revista Viração, batemos na porta de ministérios e não conseguimos nada. A política pública é uma política de vizinhança? Os movimentos sociais não tem peso político. O edital do Ministério da Educação para publicações apresenta inúmeras barreiras jurídicas, legalistas, que inviabiliza a participação de muitas organizações.
Bia Barbosa – Intervozes – Brasil
É necessário defender direito à comunicação como direito fundamental, o que reafirma o papel do Estado como fomentador e garantidor deste processo. Além do que já foi citado em termos de políticas públicas, é preciso pensar também nos conselhos de comunicação, no debate da comunicação pública, no acesso ao serviço público por meio das novas tecnologias, etc.
Jacira Melo – Instituto Patrícia Galvão – Brasil
Há diferenças entre os países citados, cada um deles tem um contexto bem diferenciado e precisamos compreender isso para que estas experiências de mudanças sejam úteis em outros países. No Brasil, precisamos debater o papel do Estado, das agências reguladoras e a questão de controle sobre o conteúdo nesta democracia da comunicação.
Renato Rovai – Revista Fórum e Altercom (Associação Brasileira de Empresas e Empreendedores da Comunicação) – Brasil
Sugiro que construamos um decálogo das políticas públicas internacionais para a mídia livre, com pontos como neutralidade na rede, papel do Estado no financiamento da política pública, para que possamos avaliar, no futuro, como cada país está se comportando em cada um desses itens.