Painel Mulher, mídia e bens comuns

Falas iniciais de provocação do debate

Rita Freire – Ciranda Internacional da Comunicação Compartilhada

Nossa ideia com este painel foi propor um debate sobre as mulheres e a comunicação. Muitas já estariam aqui fazendo a cobertura do Fórum Mundial de Mídia Livre e participando na Rádio Cúpula, mas achamos fundamental propor uma atividade temática.

O Fórum é um grande processo de debate sobre o direito à comunicação e sua convergência com os bens comuns. Há muito debate sobre o que são bens comuns, como dádivas da natureza (ar, água…). Nós queremos colocar na agenda os bens comuns imateriais, bens em forma de cultura, memória, história, que não está contada do ponto de vista das mulheres. A história é um bem comum e temos que lutar pela nossa identidade.

Nos bens comuns da natureza, as mulheres são as gestoras da escassez de água, luz, comida. Essas são questões não visibilizados porque as mulheres não estão visibilizadas. Precisamos levar este debate para a Cúpula dos povos, sobre as soluções para os bens comuns do ponto de vista das mulheres.

Estamos debatendo a descolonização das redes sociais, para nos libertarmos do ‘jardim murado’ que é o Facebook. Descolonizar a comunicação é construir nossas próprias redes. Os homens sempre são indicados para falar de tecnologia; já o trabalho das mulheres é anônimo. Queremos fazer ouvir também a nossa voz.

 

María Pía Matta – presidenta da Amarc (Associação Mundial de Rádios Comunitárias) – Chile

Este é um tema interessante e amplo. Gostaria de debatê-lo a partir do olhar da mídia comunitária, mais precisamente da rádio, uma plataforma muito importante para nossa comunicação. A rádio sempre foi um lugar de expressão pública das mulheres.

Olhemos para nossa história e para a conjuntura em que vivemos. A diferença entre homens e mulheres ainda é muito grande, ainda que o senso comum diga o contrário. No sentido filosófico, devemos fazer dessas diferenças uma potencialidade política pra mudar um mundo tão desigual.

O feminismo me ensinou a falar de nossas próprias práticas. Não há muitas experiências de rádios feitas só por mulheres. Trabalho numa rádio de mulheres, por ser de uma organização de feministas. Mas a rádio é feita para a comunidade. A emissora passou por um processo de aprendizagem: começou forte no feminismo, mas passou a entender a importância de fazer uma rádio ampla, que tratasse do conjunto dos problemas da comunidade.

Sobre o debate dos bens comuns, como fazer as nossas audiências entenderem que os bens comuns devem ser compartilhados e não tratados apenas como questão de ganância financeira?

Queremos fazer uma rádio que fale para a maioria, que se escute e que tenha a ver com políticas públicas. Há governos que não nos escutam e políticos que não querem entender que, quando falamos em frequências de rádio estamos falando de um bem comum da humanidade, de um direito que não conseguimos praticar pela intolerância dos governantes. Há um desconhecimento dos políticos tradicionais e dos movimentos sociais sobre este assunto.

Avançamos nos últimos anos depois do Fórum Social Mundial, com um trabalho de comunicação feito neste espaço principalmente pela Ciranda. É um trabalho que tem a ver com questões de princípios, de direito à comunicação, de uma comunicação diferenciada do mercado. Porque, realmente, muitas vezes os governos deturpam a comunicação pública.

Nós mulheres temos lutado significativamente nesta questão, com nosso testemunho. As questões do movimento feminista não são temas bem compreendidos. O buraco tem a ver com a grande mídia, que captura as consciências. O desafio tem nos levado pra frente, mas é insuficiente. Daí a importante de espaços de reconhecimento de nossas experiências e troca.

Na radio de onde venho, sempre parece que temos que, como mulheres, justificar alguns temas. É algo estrutural em relação aos meios. Continuamente temos conflitos fortes com nossos companheiros. Por exemplo: temos que desconstruir a ideia que homens são entrevistados sobre política e mulheres sobre compras.

Muitas vezes há também uma naturalização na construção das agendas. Aqui, por exemplo, há só 2 homens. Todos dizemos que somos inclusivos, mas na hora de debater, na mesa de gênero vão as mulheres. Estas são contradições nossas.

Há uma necessidade de conquistar espaços continuamente. Não queremos aparecer só para cumprir a cota. Por outro lado, assumimos os temas de gênero e muitas vezes nos vitimizamos.

De que maneira incidiremos com nossos temas na Cúpula dos Povos? De que maneira influímos nos discursos para desconstruir o atual modelo de desenvolvimento e superar uma visão dicotômica no mundo – países desenvolvidos e não desenvolvidos; homem e mulher?

 

Soraya Misleh – Ciranda Internacional da Comunicação Compartilhada e Movimento Palestina para Todos – Brasil/Palestina

O compartilhamento que teremos aqui é o mais rico. A partir do debate sobre os bens comuns, vamos debater o direito à memória, à história. Homenageio aqui uma feminista egípcia e as mulheres árabes, que se mostraram contrárias ao patriarcado antes das americanas. Vivemos num mundo em que orientais e ocidentais são contrapostos, e os primeiros são bárbaros enquanto os ocidentais são o progresso.

O estereótipo representa as mulheres árabes como seres exóticos, submissos, com algo escondido por trás dos véus. Toda árabe é muçulmana, outra generalização irreal. A mídia reproduz essa forma de retratar os árabes para manter o sistema hegemônico global.

Durante a primavera árabe, a mídia perguntava se o fato das mulheres irem para as ruas não era um fenômeno. Não! As mulheres sempre estiveram nas lutas, lado a lado com os homens, ou até na linha de frente. E os movimentos feministas árabes existem desde o final do século XIX, início do século XX. Foram as mulheres que começaram a perceber e lutar, por exemplo, contra a invasão sionista.

A mídia teve um papel importante nas mais recentes revoluções sociais árabes, mas foi uma ferramenta. O que as fez mesmo foi luta nas ruas. Hoje há uma blogueira tunisiana em greve de fome. É preciso mostrar que a revolução continua em curso, para que esse processo não seja capturado, detonado.

Uma blogueira egípcia deu entrevista para a revista brasileira Carta Capital no ano passado e conquistou grande visibilidade. Lhe perguntaram sobre o papel de midialivrista, e ela respondeu: ‘acredito que me chamaram porque não me enquadro neste estereótipo, não uso véu, falo inglês, etc. Mas por trás está aquela mulher que eles invisibilizam’.

Homens e mulheres permanecerão vítimas da exploração enquanto não for superado o patriarcado, e a mídia livre tem um grande papel nisto.

 

Lottie Spady – Grassroots Global Justice Alliance – Detroit/Estados Unidos

Gostaria de compartilhar com vocês alguns dos trabalhos que realizamos sobre justiça e mídia em Detroit. Um deles é o Programa sobre justiça ambiental e alimentar. Trabalhamos com as mulheres para que criem mensagens de segurança alimentar para as crianças. Em Detroit, em qualquer esquina há um MacDonalds. Fazemos o debate ali. É muito mais fácil chegar nessas lojas do que numa de comidas naturais. As mulheres são incentivadas a gravar programas de culinária, partilhar histórias e livros com as crianças.

Outro grupo trabalha com justiça política, e aí a comunicação vista como um direito humano é fundamental. Não só a mídia mas também as tecnologias continuam silenciando vozes das comunidades. E temos três grupos que buscam justiça contra subsídios americanos.

Nossos princípios são acesso, participação, domínio público e comunidades sustentáveis. O acesso deve ser para todos: infraestrutura, informação e todas as formas de comunicação. Hoje o acesso é cobrado individualmente. Ensinamos as pessoas e todo quarteirão pode compartilhar o acesso às redes de forma barata.

Poesia e grafite também são formas pelas quais as pessoas se comunicam. É preciso desmistificar a tecnologia e a mídia, buscar o aprendizado intergeracional. De maneria responsável, falamos da pegada da tecnologia. Achamos que cada um precisa de um celular e um computador, mas isso não é necessário.

A internet de hoje não se manterá assim pra sempre. Usamos e a mudamos. Ao mesmo tempo que é uma ferramenta usada por grandes empresas para tomar decisões em nosso nome, é um espaço democrático onde um jovem de 8 anos pode falar com milhões de pessoas. Mas precisamos compreender que nada substitui a comunicação, não basta a ferramenta.

 

Debate no plenário

 

Denise Viola – Rede Mulheres em Comunicação e Amarc – Brasil

Importante nos reunirmos aqui também, nos fortalercemos para dentro, dialogamos, e depois voltamos e seguimos pra fora. O programa Planeta Lilás, que estamos realizando, é voz das mulheres na Rádio Cúpula dos Povos. Muitas daqui estarão falando lá.

 

Lisa – Associação para o Progresso das Comunicações (APC)

O direito à comunicação é para todos. A internet é um espaço que pede por novas vozes, queremos desmistificar isso. Um dos nossos programas – chamado Iniciativa Feminina – revela quão maravilhoso é ver as mulheres tomando conta da tecnologia. Faço um convite para trabalharmos juntas, temos os mesmos objetivos.

 

Lurdinha Rodrigues – Instituto Patrícia Galvão e Liga Brasileira de Lésbicas – Brasil

Tenho uma visão otimista de como nós, mulheres, estamos nesse processo da luta pelo direito à comunicação. Os desafios são enormes. A mídia é o quarto poder, e onde tem poder o masculino é dominante. Mas as mulheres tem escancarado algumas portas com muita qualidade. No Brasil, temos construído um grupo de mulheres ousadas neste campo da comunicação, que vem contaminando outras. Mulheres tem atuado tanto no desenvolvimento da estrutura quanto dos conteúdos de comunicação. Desafio é ter a informação e democratizá-la.

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